Consciência Negra e a escrita
 



Dica de Escrita

Consciência Negra e a escrita

Carolina Magalhães



No dia 20 de novembro é comemorado o Dia Nacional da Consciência Negra. A data marca o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695. Conversamos com uma autora negra e três autores negros que já lançaram livros pela Editora Metamorfose para abordar a consciência negra na escrita. São eles: Magda Rodrigues de Souza, autora de Formas de Existir, Irados na Tábua e Lá todos continuavam vivos; Mario Augusto Pool, autor de oito livros de ficção, com destaque para O Vizinho Alemão, finalista dos prêmios Jabuti e Açorianos; Jonattan Rodriguez Castelli e Vladi Oliveira que lançaram em 2023 seus primeiros livros individuais, Olhos Lilases e A poesia dos quatro ases da vida, respectivamente.

Jonattan destaca que não existe neutralidade, toda pessoa é afetada pela sua visão de mundo, por suas experiências pessoais, leituras e ideologia. Dessa forma, estar inserido na sociedade como um homem negro faz com que muitos temas e questionamentos estejam estritamente ligados a essa condição. Magda conta que se identifica como autora negra, mas não faz uma literatura engajada. Aborda questões sociais (classe, gênero, etnia) e acredita que a sua identidade se manifesta através do enfoque dado a determinados assuntos como injustiça social, exclusão de determinados grupos, acesso à escolaridade e desigualdade na distribuição de renda. Pool relata que que a vontade de abordar histórias que falam sobre sua ancestralidade só vem aumentando.

"Não por um dever social ou de resgate apenas, mas pela riqueza que tenho encontrado ao mexer coisas do passado e me aprofundar na cultura afro-brasileira. Meus últimos 4 livros (O Estampador, Bomani e as torres Malditas e os Inéditos "AYANA" e "Carta aos originários") trouxeram um grande prazer na escrita, na pesquisa e nas possibilidades de trabalhar narrativas que não foram pensadas antes", confidencia Pool.

Para um autor negro iniciante, Vladi recomenda que seja apenas um autor criativo e que busque identificar um estilo no exercício de escrever através das suas referências literárias. A cor da pele não deve ser o único norte para escrever. Já Jonattan traz a recomendação de ler autores negros e autoras negras.

"Leia Machado de Assis, Conceição Evaristo, Lima Barreto, Itamar Viera Jr, Alice Walker, Ana Maria Gonçalves, Carolina Maria de Jesus, Jeferson Tenório etc. Penso que a partir da leitura de autores e autoras se pode aprender como abordar temas que nos são caros, mas que muitas vezes são ignorados por autores brancos, ou tratados de maneira superficial. Sem contar que ler pessoas negras traz aquele elemento de legitimidade, do tipo: olha se, fulana escreveu sobre isso, também posso fazê-lo."

Magda amplia esta lista com outros nomes. Ela recomenda que a um autor novo estude a história do Brasil e da população Afrodescendente.

"Abdias do Nascimento que escreveu o imprescindível Genocídio do Negro Brasileiro, Oliveira Silveira, poeta gaúcho que liderou a campanha pelo dia da Consciência Negra, Lélia Gonzalez, intelectual, ativista e feminista, Franz Fanon, autor martinicano que escreveu Pele Negra Máscaras Brancas, Grada Kilomba, autora portuguesa, que publicou Memórias da Plantação e outros tantos. Além de incorporar o hábito da leitura o autor deve praticar a escrita que consiste em reescrita".

Pool afirma que o primeiro passo para um autor negro está em entender a relação identitária e fazer dela o motivo para boas histórias, cabendo a ele registrar na sua obra os pontos que mais incomodam ou incomodaram ao longo da sua vida pelo fato de ser negro.

Para autores em geral (não necessariamente negros), é preciso um cuidado para não reproduzir estereótipos. Jonattan indica entrevistar pessoas, recorrer a leitores beta ou profissionais que façam uma leitura sensível do texto. Magda alerta para a caracterização de personagens negros de forma desumana, sempre relacionados à marginalidade, limitados a determinadas atividades sociais, associados a aspectos negativos. Pool aponta a superficialidade e falta de realismo quando um autor branco constrói um personagem negro.

"Sofrer racismo gera traumas, e escrever sobre isso exige um tratamento nas palavras. Penso que autores brancos têm uma grande chance de errar ou não mostrar a realidade negra na forma mais pura."

Vladi confessa que seu maior incômodo é quando um texto transmite a ideia de que não existe racismo declarado ou estrutural. Para Jonattan, a representação reducionista de pessoas negras de forma unidimensional, seguindo um estereótipo, é o maior erro.

"O mais comum é serem tratadas como antagonistas ou pessoas em condição apenas de miséria. Mas também há situações em que a representação cai numa espécie de "racismo positivo", onde a pessoa negra é tratada como um ser especial, de bom coração, incapaz de cometer maldades etc. O exemplo mais famoso desse último caso, é a noção de "negro mágico", uma personagem negra que é apresentada na história como uma espécie de guia espiritual ao protagonista branco ou que sua jornada gire em torno do autossacríficio ? como o John Coffee de À espera de um milagre."

Jonattan explica que as duas representações são pobres e recaem em uma visão racista, onde apenas as personagens brancas podem ser complexas, dúbias e duais. Segundo ele, uma escrita competente e honesta deve compor as personagens, independentemente de sua etnia, de forma multidimensional, dando-lhes diversas motivações e trajetórias.

Pool afirma não ter lido muitos autores brancos com narrativas de personagens negros, mas que nos poucos textos que teve em mãos é possível perceber a tendência de explorar massivamente o sofrimento dos negros sem dar espaço ao legado cultural e intelectual.

"Entendo que em certos casos é importante rememorar sobre esses crimes históricos e seculares, mas também é fundamental valorizar os feitos e a contribuição do negro para a humanidade. Atualmente existe um movimento literário associado ao Afrofuturismo, que é um movimento cultural, artístico e filosófico que combina elementos da cultura africana e da diáspora africana com a ficção científica, a fantasia e a tecnologia. Ele imagina e especula sobre futuros alternativos nos quais pessoas negras desempenham papéis centrais e são representadas de maneira positiva. Neste caso a melhor representação para o personagem negro é mostrar sempre o seu valor e a sua posição igualitária em todos os espaços."

 

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